segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Considerações sobre o Jesus histórico

Matheus Viana

Atualmente há um debate que se divide em duas partes: uma é sobre a dicotomia entre o Jesus histórico e o Jesus místico; e a outra é sobre a existência deste Jesus histórico.

Muitos proponentes deste debate buscam o consenso entre duas premissas: a de que o Jesus místico é resultado de uma fé irracional, que resultou na religião conhecida como cristianismo; e a tentativa de colocar em xeque a existência do Jesus histórico que seria alvo do método científico/histórico, ou seja, puramente da razão. Como vivemos, de acordo com vários pensadores, em uma sociedade racionalista (um dos principais traços da modernidade), o Jesus histórico passou a ser pauta principal do debate. Pois o Jesus místico é relacionado à fé religiosa. E conforme o adágio popular preconiza: “religião não se discute”.

No entanto, o método histórico utilizado para analisar a existência do Jesus histórico e Sua conduta como ser humano comprova Sua existência. Basta remontarmos aos escritos antigos, reconhecidos pela historiografia. Flavio Josefo, historiador judeu (38-100 d. C.), escreveu sobre Jesus em seu livro Antiguidades Judaicas: “nós aprendemos que Jesus era um homem sábio que fez feitos surpreendentes, ensinou a muitos, ganhou seguidores entre judeus e gregos, foi tido como Messias, acusado pelos líderes judeus, condenado a ser crucificado por Pilatos, e considerado ressurreto.”.[1]

Outra evidência histórica é a de Cornélio Tácito (55-120 d. C.), historiador romano do primeiro século que “é considerado como um dos mais corretos historiadores do mundo antigo.” [2], que relatou como Nero “infligiu as mais terríveis torturas a uma classe… chamada cristãos. Cristo, de onde o nome teve sua origem, sofreu penalidades extremas durante o reino de Tibério nas mãos de um dos nossos procuradores, Pôncio Pilatos…”.[3]

Além disso, por mais que alguns não aceitem por motivos de convicções particulares, a Bíblia é considerada um documento histórico. O renomado arqueólogo judeu Nelson Glueck escreveu: “Deveria estar sublinhado categoricamente que nenhuma descoberta arqueológica jamais contradisse uma referência bíblica”.[4] É de grande valia citar o excelente livro do arqueólogo alemão Werner Keller E a Bíblia tinha razão (Editora Melhoramentos, 1992), cujo título nada mais foi do que a dedução que chegou após anos de escavações e descobertas arqueológicas no oriente médio.

Sim, Jesus existiu. O objeto de estudo, todavia, ainda é o Jesus histórico. Quando ouvimos esta expressão temos a tendência de relacionarmos ao movimento do liberalismo teológico que ocorreu na Alemanha em meados do século XIX e início do XX. Mas quando analisamos a origem de questões como “quem foi Jesus?” e “o que Ele fez?”, vemos que ela é muito mais antiga.

Nos dias do próprio Jesus tais questões estavam em voga. A cúpula religiosa judaica, representada principalmente pelos fariseus, saduceus e herodianos, por se sentir ameaçada com a conduta de Jesus que arrebanhava muitos seguidores, tinha como incumbência investigar quem era, de fato, o carpinteiro de Nazaré que também era mestre da Lei em Israel. Tais facções eram unânimes em negar que Jesus era o Messias profetizado pelos profetas do período veterotestamentário. Mas Ele, por sua vez, não escondia tal fato (Cf. Lucas 4:18-21, João 6:35-51).

Com a morte de Jesus, o chamado período apostólico se inicia com o seguinte veredicto: “Jesus de Nazaré foi aprovado por Deus diante de vocês por meio de milagres, maravilhas e sinais que Deus fez entre vocês por intermédio dele, como vocês mesmos sabem. Este homem lhes foi entregue por propósito determinado e pré-conhecimento de Deus; e vocês, com a ajuda de homens perversos, o mataram, pregando-o na cruz. Mas Deus o ressuscitou dentre os mortos, rompendo os laços da morte, porque era impossível que a morte o retivesse. (...) Portanto, que todo o Israel fique certo disto: Este Jesus, a quem vocês crucificaram, Deus o fez Senhor e Cristo.” (Atos 2:22-24 e 36).

Para os apóstolos e os cristãos de forma geral não há nenhum indício de dicotomia entre o Jesus histórico e o Jesus místico, que para eles era o Jesus divino. O apóstolo Paulo, o principal propagador do cristianismo ao chamado mundo gentílico (não judeu), relatou em sua carta aos cristãos da cidade de Filipos: “embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo e tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz. Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus e na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai.” (Filipenses 2:6-11).

Vemos aqui algumas características sobre a pessoa e obra de Jesus: divindade, humanidade, crucificação, ressurreição e glorificação. Ou seja, para os apóstolos, cujo pensamento foi sintetizado por Paulo no trecho relatado acima, Jesus é o Deus eterno que se tornou humano, morreu, ressuscitou e retornou aos céus – processo chamado de ascensão - glorificado. Sendo assim, Jesus é Deus que se fez homem. Os elementos divino e histórico reunidos na mesma pessoa. O próprio Jesus declarava tal fato: “Quem me vê, vê o Pai.” (Evangelho segundo João 14:9).

Com a morte dos apóstolos, inicia-se o período dos pais da Igreja, também chamado de Patrística, onde os sucessores dos apóstolos assumem a liderança das diversas congregações existentes em várias cidades do Oriente, da Ásia menor e da Europa. Neste período, principalmente nos Séculos II a VI, desenvolvem-se as doutrinas que iriam compor a chamada ortodoxia cristã. Neste período o debate sobre a dicotomia entre o Jesus histórico (humano) e o Jesus divino, que pairou sobre a questão se Jesus possuía uma ou duas naturezas, foi acirrado.

Após vários concílios que discutiram o tema, chegou-se à conclusão de que Jesus é plenamente Deus e plenamente homem. Ou seja, Jesus foi – e é – uma pessoa com duas naturezas plenas: divina e humana. Fato que os apóstolos já afirmavam. Esta foi a conclusão que o Concílio de Calcedônia (451 d. C.) chegou, que ficou conhecida como Definição calcedônica. Embora algumas dissensões tenham surgido em relação ao veredicto calcedônio, que foi na verdade uma continuação do Credo Niceno (325 d. C.) com alguns acréscimos feitos pelo Concílio de Constantinopla (381 d. C.), elas não eram no tocante à dicotomia entre o Jesus histórico e o divino, mas sim em relação ao modo como as duas naturezas se convergiam em Sua pessoa. No período conhecido como a Reforma Protestante, a Confissão Helvética, em 1566, não afirmou apenas a doutrina contida na Definição calcedônica, mas também o fato de que Jesus, por possuir duas naturezas sendo apenas uma pessoa, possuía também duas vontades, relacionadas às suas naturezas, a exemplo do que ficou estabelecido no Concílio de Constantinopla (680 d. C.).

Esta dicotomia entre o Jesus histórico e o divino (também chamado de místico) reapareceu com força total no século XIX, no liberalismo teológico alemão. No entanto, para a compreendermos, devemos analisar as correntes de pensamento que influenciaram este movimento.

No século XIV, em decorrência do declínio da escolástica, surgiu o movimento nominalista que, com o intuito de atenuar as especulações filosóficas em relação às doutrinas cristãs, cria a dicotomia entre razão (filosofia) e fé (teologia) que, entre outros aspectos, ficou conhecida como a Navalha de Ockham. As coisas naturais, objetivas e perceptíveis seriam alvo da filosofia. Já a teologia, por sua vez, iria se limitar apenas às coisas sobrenaturais (ou metafísicas). Era nada mais do que a dicotomia natureza/graça, característica marcante da escolástica - que alguns teólogos do período tentaram transformar em dialética, como Tomás de Aquino, por exemplo - levada ao extremo.

Esta dicotomia nominalista influenciou, de certa forma, o racionalismo cartesiano no século XVII que, na tentativa de libertar a razão humana e torná-la autônoma, a exemplo do que ocorria no renascentismo, a empregou sob outro prisma. Sua dualidade psicofísica, onde o pensamento humano (subjetivo) seria alvo da filosofia e o corpo (objetivo) da biologia, foi um dos alicerces da revolução científica no século XVII e também do Iluminismo no XVIII. O iluminismo como corrente de pensamento não foi homogêneo. Mas em se tratando da influência intelectual em relação ao liberalismo teológico e sua consequente dicotomia entre o Jesus místico e o Jesus histórico, não podemos deixar de mencionar a fenomenologia kantiana.

Immanuel Kant, considerado um dos grandes personagens do iluminismo, ao fazer seu criticismo (não no sentido pejorativo, mas no de análise) em relação ao racionalismo cartesiano (razão pura) e o empirismo (razão prática), divide o conhecimento em duas partes: o númeno (ou a coisa em si que não pode ser conhecida pela razão) e o fenômeno (que pode ser conhecido pela razão através do método científico). De acordo com tal classificação, Kant colocou Deus e tudo o que se refere a Ele no númeno. Com isso, os aspectos divinos e sobrenaturais de Jesus foram deixados de lado. O que restou para análise foi apenas Suas características humanas, ou melhor, o Jesus histórico.

Nós, cristãos, precisamos avaliar a relevância deste debate. Pois Jesus é o objeto central do cristianismo, cuja prática redunda em servi-Lo. Algo que consiste também em fazê-Lo conhecido através de nossa vida prática e da propagação de Seu Evangelho. Mas para isso, conforme preconiza Francis Schaeffer, precisamos discernir o tempo em que vivemos.

Referências bibliográficas

DOOYERWERD, Herman. No crepúsculo do pensamento: Estudos sobre a pretensa autonomia do pensamento filosófico; tradução: Guilherme Vilela Ribeiro, Rodolfo Amorim Carlos de Souza. – São Paulo: Hagnos, 2010.

SCHAEFFER, Francis. A morte da razão; tradução de João Bentes. 2. ed.  São Paulo: ABU Editora – Viçosa: Editora Ultimato, 2014.

BERKHOF, Louis. A história das doutrinas cristãs; tradução de João Marques Bentes e Gordon Chown. – São Paulo: Publicações Evangélicas Selecionadas, 1992.

ECKMAN, James. P. Panorama da história da Igreja; tradução de Emirson Justino da Silva. – São Paulo: Vida Nova, 2005. (Curso Vida Nova de Teologia Básica; v. 4).

DESCARTES, René. O discurso do método; tradução, prefácio e notas de João Cruz Costa. – Edição especial – Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Saraiva de Bolso, 2011.

GONZÁLEZ, Justo L. Uma breve história das doutrinas cristãs; tradução de José Carlos Siqueira. – São Paulo. Hagnos, 2015.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à filosofia. 2. ed. rev. atual. – São Paulo: Moderna, 1993.



[1] WILKINS, Michael J. & MORELAND, J. P., Jesus Under Fire, Zondervan Publishing House, 1995, p. 40. Citado em http://www.suaescolha.com/jesus/biblia/
[2] MCDOWELL, Josh. The New Evidence that Demands a Verdict, Thomas Nelson Publishers, 1999, p. 55. Citado em http://www.suaescolha.com/jesus/biblia/
[3] http://www.suaescolha.com/jesus/biblia/
[4] Ibid, 2. p. 61. Citado em http://www.suaescolha.com/jesus/biblia/

sexta-feira, 24 de abril de 2015

O dilema do senso moral

Matheus Viana

Certa vez um aluno me questionou: “Professor, se masturbar pensando na esposa é errado?”. Por ter como padrão moral as Sagradas Escrituras, respondi que sim. Em seguida, indagou: “Por quê?”. Respondi que a relação sexual foi criada por Deus para ser desfrutada entre o marido e sua esposa, com o propósito de que ambos desfrutem de prazer. Na masturbação, apenas o marido tem prazer, o que foge do propósito pelo qual o sexo foi instituído. E uma das implicações de pecado é errar o alvo.

Este aluno fez outras observações sobre este tema. Mas como a sala estava em um considerável frenesi, não foi possível continuar a conversa. No entanto, pouco depois, o ouvi dizer a outro aluno: “Não concordo com o fato de se masturbar ser errado apenas por que Deus diz que é errado.”.

Aqui está o “x” da questão. Por conta da depravação da natureza humana, temos propensão para fazer o que é errado. E isto se torna o fator motriz do conflito existente entre desejo e consciência. Queremos fazer muitas coisas que causarão o chamado “peso” ou “dor” na consciência. Por isso o apóstolo Paulo adverte: “Tudo é permitido, mas nem tudo convêm. Tudo é permitido, mas nem tudo edifica.” (I Coríntios 10:23).

O salmista declara: “Enquanto eu mantinha escondidos os meus pecados, o meu corpo se definhava de tanto gemer. Pois dia e noite a tua mão pesava sobre mim; minhas forças foram-se esgotando como em tempo de seca. Então reconheci diante de ti o meu pecado e não encobri as minhas culpas.” (Salmo 32:3-5). Tais palavras são a suma demonstração da consciência que corroía seu interior. Sentimento denominado como culpa.

Contudo, para não sentimos a “dor” que esta culpa gera, fazemos de tudo para que a consciência passe a interpretar como certo aquilo que normalmente interpreta como errado. O indivíduo tenta extinguir por completo o senso de certo e errado para fazer o que deseja e não sentir culpa por isso.

Esta é uma das premissas do ateísmo, pois não há como crer em Deus e não se submeter a um padrão moral, no caso o Seu, que é soberano por ser a origem de todos os outros padrões. Até mesmo dos contrários. Pois assim como o mal existe por ser a corrupção do bem, o padrão moral contrário ao padrão de Deus passou a existir como consequência do ser humano abandonar Seu padrão.

O jornalista ex-ateu Lee Strobel narrou certa vez sua própria experiência: “Quando era ateu, certamente tinha muitas motivações para encontrar defeitos no cristianismo. Sabia que meu estilo de vida beberrão, imoral e egocêntrico teria de mudar se me tornasse um seguidor de Jesus, e não estava certo de que queria mudar estas coisas”.

No entanto, raciocinemos segundo a lógica apresentada pelo aluno em questão para vermos sua conclusão. Se questiono o fato de que algo é errado porque Deus assim estabeleceu segundo Seu padrão moral, relativizo por completo o senso de certo e errado por querer muito que ele não exista, pois assim posso fazer o que quero sem sentir culpa. Conforme preconizou Dostoiévski em seu livro Os irmãos Karamazov: “Se Deus não existir, todas as coisas são permitidas”. Isso mesmo, se eliminarmos Deus de nossa vida, eliminamos Seu senso moral. Se eliminarmos Seu senso moral, não há mais certo ou errado. O salmista preconiza: "Disse o néscio no seu coração: Não há Deus. Tem-se corrompido, faz-se abominável em suas obras." (Salmo 14:1).

No caso do aluno, ele não suporta o fato de se masturbar ser errado por contrariar seu desejo. Contudo, se realizarmos tudo o que desejamos, teremos resultados que não nos agradarão (Provérbios 16:25), pois nosso coração é enganoso e desesperadamente corrupto (Jeremias 17:9). Imagine que você olhe para uma menina muito bonita e queira fazer sexo com ela. Mas ela, pelo contrário, não quer. Você sentirá vontade de forçá-la a fazer sexo com você, o que é um estupro. Se você estuprá-la por sentir vontade, não verá isso como errado.

Se chegar para uma criança de três anos, que ainda não tem idade suficiente para consentir em uma relação sexual, e propor fazer sexo com ela – por assim desejar - em troca de um ovo de chocolate, você cometerá um ato de pedofilia. Mas não achará isto errado por fazer “apenas” o que desejou. Logo, você não poderá dizer que uma pessoa que estupra crianças comete um crime ou qualquer outro tipo de imoralidade, pois ela fez “apenas” o que teve vontade de fazer.

Você acha normal uma pessoa fazer sexo com animais? Pois ela o fez como resultado de seu desejo. Imagine uma sociedade composta por pessoas que fazem tudo o que desejam, sem nenhum filtro moral! Simplificando, sem certo e errado. Seria o caos. Não haveria respeito mútuo já que a vontade do outro, de acordo com Friedrich Nietzsche, é uma espécie de filtro moral e, assim, inibidor de suas ações oriundas de seus desejos. No entanto, se eu colocar o meu desejo acima de todas as outras coisas, o desejo e o direito do outro perdem o valor. Por isso Schopenhauer define como injustiça todo e qualquer tipo de coerção da vontade alheia.

O senso moral faz parte da natureza humana. A própria necessidade de transformar em “certo” aquilo que nossa consciência mais profunda diz que é errado é indício de tal fato. E qual é, portanto, a origem deste senso? Não, não é o processo natural, também chamado de evolução. Se tal origem for este processo, que é pautado pelo que Darwin chamou de “processo de seleção natural” onde apenas os mais fortes sobrevivem por exterminar os mais fracos, então não é errado uma pessoa mais forte matar outra que seja mais fraca do que ela. É apenas natural.

Todavia, pergunte para qualquer indivíduo que pensa assim se ele acha correto o fato de uma pessoa mais forte que a mãe dele matá-la? Mas esta pessoa, de acordo com a filosofia “sou livre para fazer tudo o que desejo”, está apenas seguindo sua natureza, por isso não pode ser avaliada sobre o senso de certo e errado já que, além disso, ela desejou fazê-lo. E, repito, este desejo é por conta das “leis naturais” que operam em sua vida.

Claro que qualquer pessoa racional e com consciência sã vai refutar tal modo de pensar. Como alternativa, muitos atribuem a origem do senso moral ao desenvolvimento das civilizações. Portanto, pensemos: o código moral mais antigo que a História registra é o Código de Hamurabi (cerca de 1800 anos antes de Cristo). Contudo, devemos perguntar sobre a origem da necessidade de se estabelecer um padrão de certo e errado que levou algumas pessoas a criarem tal código.

Stephen Hawkins, um dos maiores físicos da atualidade, diz em seu livro O grande projeto que a origem espontânea do universo é possível por conta da existência da lei da gravidade. Portanto, devemos lembrar que lei é informação (que é demonstrada em seus consequentes processos, no caso das leis naturais). E informação também não surge de forma espontânea (para saber mais sobre isso, leia o livro A caixa preta de Darwin, do microbiologista Michael Behe). Ele diz, falando sobre a complexidade irredutível, que a quantidade de informação encontrada nas menores moléculas existentes na natureza é indício da existência de um Ser soberano que a criou e estabeleceu. Por mais que alguns não queiram reconhecer, este Ser é Deus. Você até tem direito de não crer neste fato, mas ele não deixará de ser verdadeiro por isso.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Inversão psicótica

Matheus Viana

Na psicologia, grosso modo, o fato de uma pessoa inverter conceitos e valores é chamado de inversão psicótica. O ataque contra a vida e obra de Jesus não é algo recente. Pelo contrário, é muito antigo. Mas com o passar dos séculos, ele tem se intensificado e, além disso, mudado de estratégia. Da perseguição aos cristãos desde o primeiro século da era cristã exercida por Roma, que ainda existe em países ateus (comunistas) e islâmicos, até o embate intelectual que se dá, de forma mais enfática, desde a revolução científica do século XVII, houve alguns estopins como, por exemplo, o iluminismo no século XVIII e o liberalismo teológico do século XIX.

Estas duas últimas formas de ataque têm sido utilizadas à exaustão, seja através do liberalismo teológico ainda vigente ou do evocar da filosofia alemã do século XIX (principalmente de Feuerbach, de Marx e de Nietzsche) como também do neo-ateísmo militante atual liderado por Richard Dawkins. O intuito é um só: provar que Deus não passa de invenção humana e que Jesus é apenas um personagem histórico que foi considerado uma divindade por alguns galileus.

Esta ideologia é claramente encontrada na série chamada Barrabás. Segundo os produtores, Barrabás, ao ser escolhido pelo povo judeu para ser solto na páscoa por Pilatos em detrimento de Jesus, foi, na verdade, o desdobramento de ter sido escolhido por Deus para trazer “libertação” aos judeus.

Após a crucificação de Cristo, o próprio povo passa a ver Barrabás, um ex-assassino, como alguém escolhido por Deus para livrar os judeus do jugo do império romano. Pois esta era a “salvação” que o povo, de fato, aguardava. Assim, não é Jesus o Cristo (Messias, Escolhido), mas, pasmem, Barrabás. Também fiquei estupefato ao ver o trailer desta produção que afirma ser “a verdadeira história de Barrabás”, embora não citem a fonte histórica...

Como professor de ensino religioso e de teologia sistemática, fico inquieto e irritado quando vejo programas como Os segredos da Bíblia onde alguns eruditos da área da teologia e da filosofia da religião fazem interpretações completamente equivocadas à exegese bíblica. Contando mentiras tão absurdas que qualquer um que saiba interpretar as Escrituras, mesmo não sendo um erudito, é capaz de diagnosticar. No entanto, os títulos acadêmicos que os mentirosos contumazes carregam têm o poder de transformar suas mentiras em “verdades”.

O livro apócrifo O evangelho segundo Judas visa colocar Judas como uma espécie de herói, já que Jesus só realizou o plano redentor de ir para a cruz em favor da humanidade porque ele, Judas, executou “muito bem” seu papel de traidor. Apesar da heresia, a obra de Jesus foi considerada. Já na produção em questão não foi. Barrabás lidera os judeus numa revolta armada, bem no estilo da guerrilha revolucionária, o que deixa a Cruz que Jesus tomou sobre si sem importância alguma. Isso é indício do relativismo latente. Pois já que a vida humana se limita ao material, a “salvação” que ela busca se resume ao nível natural, ou seja, à plena libertação de todo tipo de opressão natural que porventura nos impeça de viver na plenitude do que queremos. Em meio à este “mosaico opressor” está Deus e Jesus, o Cristo.


Tudo isso dá veracidade à afirmação do apóstolo Paulo: “O deus deste século cegou o entendimento das pessoas para não lhes resplandecer a luz do evangelho.” (II Coríntios 4:4). Não reconhecer a divindade de Jesus e o fato de que Ele é o Messias prometido em todo o Antigo Testamento são indícios desta razão corrompida e comprometida. Aos coríntios, Paulo parece que antevê a situação aqui analisada quando diz: “Visto que, (...) o mundo não o conheceu por meio da sabedoria humana.” (I Coríntios 1:21). O engano causado por esta cegueira intelectual, que denota a falta de sabedoria, é tão absurdo que considera Jesus como um coadjuvante e o assassino Barrabás como o Escolhido. Uma verdadeira inversão psicótica.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Homoafetivo

Inaldo Barreto

O termo não é muito facilmente encontrado em dicionários. Foi criado para amenizar os relacionamentos homossexuais nas audiências e em discussões públicas sobre o assunto.

Vamos começar pela Grécia. Na antiga sociedade grega, as mulheres não gozavam de muito prestígio. Platão afirmava: “as mulheres, quanto à virtude, estariam bem atrás dos homens e que, como sexo frágil, seriam em tudo mais traiçoeiras e astutas do que eles". Chama-as de superficiais, pusilânimes e supersticiosas. Platão chegou a afirmar que, nascer mulher seria uma maldição dos deuses. Aqueles homens que não tivessem se controlado em vida, sendo covardes e injustos, após sua morte, como punição, renasceriam mulheres.

Platão acrediava na reencarnação. Esse preconceito favoreceu a homoafetividade. Na Grécia antiga, era frequente o amor entre um homem e outro homem, com sutis estímulos eróticos. Também houve entre as mulheres o mesmo problema. Daí o termo ‘lésbica’, em referência a uma cidade de nome Lesbo. Mas primeiro vamos estudar a questão da homomixia que, como gênero, trata tanto da relação da mulher com outra mulher, como de um homem com outro homem.

Geralmente na antiga Grécia o homem mais velho se relacionava com os mais jovens de forma hoje considerada inconveniente. Para os gregos da época de Platão, no entanto, fazia parte do bom tom que  um estadista, (governador, prefeito ou semelhante) ou  um comandante se interessassem por belos adolescentes. Platão relata de Sócrates, que foi seu mestre, um fato que deixa claro essa tendência entre os gregos antigos.

“Ininterruptamente, este procura o trato com belos rapazes, e certa vez, admite-se ser apaixonado por duas coisas: pelo jovem Alcebíades, o genial menino-prodígio de Atenas de então, e pela filosofia”.  Outra vez  em que Cármides, indiscutivelmente o mais belo entre os moços atenienses, se senta a seu lado, Sócrates confessa: “Caí em perplexidade, e desapareceu minha ousadia anterior, quando acreditava que seria fácil falar com ele”.

Mas a história resgata o caráter de Sócrates quando registra: ”Mas o relacionamento de Sócrates com os adolescentes não é da espécie usual de relação amorosa”. Nos relatos que Platão faz sobre isso, pode-se ver algo do que significa “amor platônico”. Alcebíades é quem deixa um discurso onde relata sua paixão por Sócrates e o desprezo deste pelo amor de Alcebíades:

“Vós vedes que Sócrates é apaixonado pelos belos adolescentes e que anda sempre em torno deles e se deixa por eles fascinar, mas não importa se é belo, ou rico ou se possui qualquer outro privilégio enaltecidos pela massa. Ele tem todos esses bens por fúteis e tem a nós mesmos por nada – isso vos garanto – Sócrates leva sua vida cheio de ironia e de desdém pelos homens. Acreditava que se ele se interessasse por minha beleza juvenil e pensava que isso fosse um ganho incalculável e uma felicidade indizível para mim; pois, se eu fizesse a vontade de Sócrates, poderia ouvir tudo o que ele sabia; julgava sabe-se lá o quê de minha beleza juvenil. Isso, portanto pensava eu, e como antes nunca havia estado a sós com ele sem um serviçal, dispensei certa vez o serviçal e ficamos sozinhos…

Acreditava que, logo a seguir, Sócrates fosse falar comigo como um amante fala na intimidade com o amado, e regozijava-me  com isso. Mas nada disso ocorreu.  Continuou a conversa comigo como de costume e, após termos passado um bom tempo juntos, foi-se embora. Depois disso, desafiei-o praticar ginástica comigo como de costume e, a fim de alcançar algo com isso. Ora, ele fez ginástica e lutou várias vezes comigo sem que ninguém presenciasse. Mas devo dizer que isso de nada me adiantou.

Como nada conseguia de modo algum, parecia-me  que tivesse de instar mais fortemente com esse homem e que não pudesse  desistir  uma vez começado; tinha de saber afinal qual era o problema. Convidei-o então a cear comigo, assediando-o  como um amante faz com o amado. Mas nem assim cedeu-me à vontade de pronto. (A última tentativa de Alcebíades é muito curiosa). Depois de termos ceado, entretive-me  com ele ininterruptamente  noite adentro.

Quando então quis partir, pretextei que já era tarde, forçando-o a ficar. Deitou-se assim, sobre o leito ao lado do meu,  sobre o qual também havia ceado, e ninguém mais dormia no aposento exceto nós dois… Quando então homens de Atenas! A lâmpada foi apagada  e os escravos  estavam lá fora, pareceu-me  que não precisava mais hesitar diante dele, podendo dizer livremente o que pensava.

Toquei-lhe levemente e disse:  – ‘Sócrates tu dormes?’
Não, respondeu ele.
Sabes o que tenho em mente?  - O que é?, disse.
Retruquei: ‘Que somente tu sejas um amante digno de mim. Mas parece que hesitas em me cortejar. Considero totalmente insensato não te fazer a vontade também nisso… pois não há nada mais importante para mim do que me tornar o melhor possível; para isso, creio , não há nenhum tutor mais  competente  do que tu. Se eu não fizesse a vontade de um tal homem, envergonhar-me-ia…’ Após me ter ouvido, replicou ironicamente e bem a seu costumeiro modo: ‘Meu caro Alcebíades tu não me pareces realmente nada mau, se for verdade o que dizes  sobre a força que tenho, por meio da qual pudesses torna-te melhor. Pois, assim verias em mim uma imensurável beleza, totalmente diferente da tua formosa figura’.

Finalizando, disse  Alcebíades: ‘Pelos deuses e deusas, vós deveis saber; após ter dormido ao lado de Sócrates, levantei-me assim como se tivesse dormido ao lado de meu pai ou de meu irmão mais velho’”.

Essa história revela o costume na antiga Grécia, também em Roma acontecia coisas semelhantes, Adriano tinha um companheiro que se imagina, mais do que amigo. Esse sentimento homoafetivo tem afetado a muitos homens, na biografia de Gilberto Freyre ele tem contato amoroso com um jovem alemão quando passou um tempo por lá.

Agora, temos que saber como lidar com esse problema na Igreja.  Acontece de jovens, mulheres ou  rapazes, passarem por esse sentimento. Se  um jovem estiver passando por esse problema, a solução é procurar aconselhamento. Mesmo na Igreja no Brasil já aconteceu o caso de uma missionária terminar por fugir com a mulher de um pastor. Coisa incrível.

Os acontecimentos provam que mesmo uma mulher casada pode ser frígida com o seu marido pelo motivo homoafetivo. Tendo uma atração pelo mesmo sexo, sente-se em dificuldade de valorizar o marido ou a esposa. Nos Estados Unidos, clérigos, especialmente os aposentados, avançam e fazem o casamento de pessoas do mesmo sexo.  Claro que se o Estado faz, não quer dizer que seja obrigado a Igreja fazer.

O que se pode notar que esse vicio ou desvio, ou seja lá como queiram entender, não tem apoio bíblico, nem no Velho tampouco no Novo Testamento. Entretanto, se alguém é homoafetivo, mas se controla, seria talvez esse, o  eunuco. Não sei, talvez seria. Mas o que acontece em alguns casos onde a pessoa casada esfria com o marido ou com a esposa por causa do sentimento homoafetivo? Nesse caso a saída é o aconselhamento com o pastor da Igreja. Algumas pessoas se casam, mas tiveram amantes do mesmo sexo. Então, e depois de um tempo, quando o casamento entra naquele estágio de rotina, o sentimento homoafetivo aflora e o desprezo pelo marido ou esposa aflora junto.

Esse é um problema que o pastor do Século XXI vai ter que enfrentar, pois com a liberação geral, com as leis favorecendo a homossexualidade, a tendência é aqueles que sentem essa inclinação assumir publicamente seus sentimentos homossexuais. Muitos se entregam às drogas, bebidas ou até mesmo ao trabalho ininterrupto para tentar fugir da tentação. O ciúme também aflora quando o antigo “amante” já está de novo amores. Mesmo uma mulher casada  ou um homem casado pode sentir esse ciúme. Mas nesse caso um aconselhamento resolve.

Alcebíades se apaixonou por Sócrates, mas seu testemunho isentou Sócrates da homomixia: “Pelos deuses e deusas, vós deveis saber; após ter dormido ao lado de Sócrates, levantei-me assim como se tivesse dormido ao lado de meu pai ou de meu irmão mais velho”. O amor ágape algumas vezes é interpretado como “amor platônico”, e que essa história de “Alcebíades, mostra com clareza, antes de tudo, que o Eros filosófico não é amor sensual.” Wilhelm Weischedel.

Uma área sensível e muito comum é o assédio de crianças. Visto que elas são indefesas, o abuso sexual é mais comum. Até em Israel li recentemente que o índice dessa ocorrência é alarmante. Crianças judias e árabes são abusadas pelos parentes e por outros. Nesse nosso tempo, a homossexualidade é quase tida como normalidade. Os magistrados se esforçam para colocar no mesmo patamar o Casamento entre um homem e uma mulher e o casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Cartilhas fornecidas pelo governo tratam do assunto como se fosse o natural, não distinguem o macho da fêmea. Tudo isso gera confusão na mente das crianças, e a Igreja deve usar de sabedoria para desfazer esse mal entendido, ou melhor dizendo, esse pecado orquestrado pelas autoridades, inclusive aqui no Brasil. Por essa razão temos que zelar por nossas crianças para que não sejam vitimas de abusos. Mesmo na Igreja é necessário manter a vigilância, pois é melhor prevenir do que remediar. Esse e o nosso dever, pois Jesus recomendou: “Deixai vir a mim os pequeninos. Não os impeçais, pois deles é o Reino de Deus.” (Evangelho segundo Marcos 10.14).


segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Literalidade ou alegoria

Matheus Viana

Fé e ciência são perfeitamente compatíveis e coesas, desde que nenhuma das partes envolvidas percam sua essência/substância. Não podemos querer contextualizar a fé cristã a este preço. Ela pode ser dialogável, mas de maneira nenhuma negociável.

A questão da literalidade das Escrituras tem sido, atualmente, alvo de um acalorado debate. Contudo, não se trata de algo peculiar do presente. Desde o período da história da Igreja chamado de patrística, este tema causa efervescência. Logo após a era apostólica, havia duas principais escolas teológicas: a de Alexandria e a de Antioquia. Ambas foram representadas por brilhantes teólogos e apologetas. Os principais, no entanto, são Irineu e Tertuliano, de Antioquia; e Orígenes e Clemente, de Alexandria.

A escola de Alexandria tinha sua teologia pautada na alegoria bíblica por ser fortemente influenciada pela filosofia helenística clássica, principalmente a platônica. Tal influência também se dava ao uso da Septuaginta (LXX), versão grega do Antigo Testamento que incorporava vários aspectos helenísticos à teologia cristã. Orígenes e Clemente, grosso modo, intelectualizaram a fé. Claro que devemos levar em consideração que os da escola de Antioquia também usavam a razão no exercício da fé. Contudo, a teologia alexandrina era pautada na alegoria bíblica. O que, na opinião dos teólogos, deixavam, conforme afirmou J. N. D. Kelly em seu livro Patrística, origem e desenvolvimento das doutrinas do cristianismo, o cristianismo intelectualmente atrativo.

Já a escola de Antioquia tinha sua exegese e hermenêutica pautadas na literalidade bíblica. Por isso, a teologia sobre a encarnação de Jesus, elaborada nos séculos II e III, antes do Concílio de Nicéia (325 d. C), em Antioquia foi determinante para a consolidação da fé cristã. Claro que ela foi se desenvolvendo por conta dos ataques que sofreu de heresias como o arianismo, o docetismo e o nestorianismo, até o Concílio de Calcedônia (451 d. C).

Nos dias de hoje, o embate se dá em torno da literalidade bíblica no tocante ao também antigo debate entre evolucionismo e criacionismo. Sim, este debate possui uma vertente diferente, pois os representantes das duas correntes são teístas. Ou seja, a discussão entre existência ou não-existência de Deus está fora de questão. Os criacionistas defendem a literalidade bíblica. Já os evolucionistas teístas, que também se autodenominam como criacionistas evolucionários, dizem que os primeiros capítulos de Gênesis não podem ser lidos de forma literal, mas como metáforas que coadunam com as verdades científicas.

Do lado dos criacionistas, temos, dentre outros, o físico e matemático Adauto Lourenço, autor dos livros Onde tudo começou: introdução ao criacionismo e Gênesis 1 e 2: um relato da criação, e o físico e astrofísico Jason Lisle, autor do livro A prova definitiva da criação: resolvendo o debate das origens. Adauto Lourenço preconiza que a própria ciência atesta a literalidade de Gênesis e, consequentemente, do criacionismo: “Dentre alguns eles, podem ser citados aqui os nomes de Francis Bacon, Galileu Galilei, Johannes Kepler, Blaise Pascal, Robert Boyle, Sir Isaac Newton, Carolus Linneaus, Leonard Euler, William Herschel, James Parkinson, Jedidah Morse, John Dalton, Michael Faraday, Joseph Henry, Richard Owen, James P. Joule, George Stokes, Gregor Mendel, Louis Pasteur, William Thompson (Lord Kelvin), Bernhard Riemann, James C. Maxwell, John Strutt (Lord Rayleigh), John A. Fleming, Ernest J. Mann, Willian Ramsay e Wernher von Braun. Quais razões científicas teriam feito com que tantos nomes importantes da ciência tivessem optado pelo posicionamento criacionista e não pelo naturalismo?  A resposta encontra-se justamente na pesquisa científica. Ela é a maior fonte de recursos para o posicionamento criacionista.”, afirma em seu livro Onde tudo começou: introdução ao criacionismo.

Em contrapartida, o livro recém-lançado no Brasil Teste de fé, organizado e divulgado pelo pastor Guilherme de Carvalho, presidente da L´Abri Brasil, foi pivô de um intenso confronto de cosmovisões, principalmente na internet. Em nota divulgada em seu perfil no facebook, Carvalho elucidou: 

“(1) Eu não arredei o pé das crenças evangélicas clássicas (como Adão histórico, queda espaço-temporal, Providência de Deus, etc), nem da inerrância bíblica, meus irmãos. Apenas não acredito que a Bíblia seja um manual de ciências e que o literalismo seja uma prática hermenêutica sã. Entendo que a leitura ‘enciclopédica’ das Escrituras, buscando nelas a fundamentação cognitiva para as ciências (e negando assim a sua soberania relativa), é um erro gravíssimo. Eu diria aos meus irmãos criacionistas-da-terra-jovem que eles estão lendo a Bíblia errado, na minha opinião, e com isso estão forçando um conflito inexistente com a ciência moderna.

(2) A afirmação de que a teoria da evolução corrompe a cosmovisão cristã é absolutamente falsa, no meu julgamento. Ela confunde sob um único termo ("evolução") três (ou até mais) usos distintos:
(i) "evolução" como representação diacrônica e progressiva da vida na terra (Michael Behe, por exemplo, um dos "pais" do DI, aceita a teoria nesse ponto e em outros, como a hipótese do ancestral comum);
(ii) "evolução" como mecanismo darwiniano clássico, neodarwiniano ou posdarwiniano (mutação, seleção, deriva genética, especiação, convergência, etc);
(iii) "evolucionismo", isto é, evolução transformada em metafísica geral para explicar tudo, e até a moralidade e a racionalidade, como no Naturalismo filosófico.

Há muitos biólogos evolucionários evangélicos como Simon Conway Morris (Cambridge University) que aceitam (i), problematizam (ii) movendo-se para posições posdarwinianas (não "anti" darwinianas), e rejeitam (iii), mantendo a fé evangélica clássica sem problemas. O "evolucionISMO" é certamente incompatível com a fé Cristã. Como qualquer outro "ismo". Mantida estritamente como teoria da história biológica da terra, a teoria da evolução não tem nenhuma força contra a fé evangélica. Se aceita, ela pode e deve ser lida dentro da narrativa Criação-Queda-Redenção que funda a cosmovisão Cristã.

Por isso mesmo, a expressão empregada por muitos cristãos que aceitam a teoria da evolução é "criacionismo evolucionário", ao invés de "evolucionismo teísta". Destaco ainda que, grosso modo, os criacionistas progressivos e os criacionistas evolucionários concordam em aceitar o ponto (i), concordam em rejeitar o ponto (iii) e discordam no ponto (ii). Além disso, a classificação é difícil. Como eu, por exemplo, acredito que uma singularidade (ou um "milagre") seria necessário para produzir a primeira forma de vida, sou frequentemente considerado um ‘criacionista progressivo’”.

Como podemos ver, é ponto pacífico de que Deus é a origem de todas as coisas (Colossenses 1:16). Portanto, assim como o apóstolo Paulo nos adverte a julgarmos todas as coisas a fim de reter o que é bom – e a verdade – (I Tessalonicenses 5:21), devemos analisar ambas e ver suas reverberações na fé cristã.

Não é possível crer no Adão histórico e na teoria evolucionista, seja em qualquer das três vertentes apontadas por Guilherme de Carvalho em seu texto. Se o Adão histórico é real, ponto para a literalidade bíblica. Se este Adão foi resultado de um processo evolutivo, então o processo descrito em Gênesis 2:7 não passa de alegoria. Sendo assim, ainda que os “criacionistas evolucionários” não queiram, o relato da queda e da proposta de redenção feita por Deus ao homem prefigurada na “pele animal” também é. O que compromete dois dos três pilares da teologia cristã: queda e redenção, claro, como consequência da criação já ter sido comprometida.

Certa vez debati com um homem que dizia que a cruz de Cristo não deve ser considerada de modo literal, mas apenas como um exemplo de superação nos momentos difíceis. Desta forma, o caráter salvífico cai por terra, a obra de Cristo perde totalmente a validade e, consequentemente, o cristianismo perde sua razão de ser. O “criacionismo evolucionário” que contesta a literalidade de Gênesis age da mesma forma.

Usemos como exemplo o texto descrito por Paulo em sua carta aos colossenses 1:15 e 18: “Ele (Jesus) é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação (...) Ele é a cabeça do corpo, que é a igreja, é o princípio e o primogênito entre os mortos.”. Não podemos cometer, ao interpretar o termo “primogênito” de toda a criação, o mesmo erro de Ário de afirmar que Jesus é a primeira criatura de Deus e, por isso, não possui a mesma natureza e também não é a mesma substância (homousion e hypostasis) de Deus. Por isso, não pode ser considerado como Deus. É evidente que Paulo estava dizendo que Jesus estava presente no ato da criação, concernente com a afirmação joanina (Evangelho segundo João 1:1-2) e que Ele foi usado como modelo para a criação do homem, já que o ser humano foi formado (feito de acordo com uma forma) à imagem e semelhança de Deus (Gênesis 1:27).

É baseado neste fato que Calvino declara na primeira de suas institutas da religião: “O verdadeiro conhecimento do ser humano é completamente dependente do conhecimento de Deus”. Obviamente esta imagem e semelhança não são físicas. Mas sim de que o ser humano foi dotado de razão e, também, que o Espírito divino (fôlego, ruach) habitava em seu interior. Se Jesus foi o modelo para a formação do homem, este não pode ser resultado de processos químicos e biológicos que, de partículas oriundas de uma explosão atômica, se tornou um peixe. Que após milhões de anos, se tornou, por conta das mutações genéticas e variações decorrentes de adaptações ambientais (resquícios da teoria de Lamarck refutada pela própria ciência), um réptil, além de outras espécies até se tornar um homosapiens.

Deus criou o ser humano para Se manifestar a toda a criação através dele. É baseado nesta verdade que o apóstolo Paulo preconiza: “A ardente expectativa da criação aguarda pela manifestação dos filhos de Deus”. (Romanos 8:19). Sim, o ser humano está sujeito a um processo evolutivo a partir do momento em que ele se submete à cruz de Cristo. Nos tornamos novas criaturas (II Coríntios 5:17) e, na medida em que deixamos a ação da cruz operar em nossa vida (Evangelho segundo Mateus 16:24, II Coríntios 3:18), vamos crescendo em sabedoria, estatura e graça (Evangelho segundo Lucas 2:52) até atingirmos a estatura do varão perfeito (Efésios 4:13).

Fé e ciência são perfeitamente compatíveis e coesas, desde que nenhuma das partes envolvidas percam sua essência/substância. Aristóteles definiu como essência/substância tudo o que quando é tirado de algo, este algo deixa de ser. Tirar a literalidade das Escrituras é tirar parte de sua essência, já que foram escritas por homens, apesar de falhos, inspirados por Deus (II Timóteo 3:16). Ou seja, é descaraterizar algo que, conforme o próprio Jesus afirmou, revela quem Ele é (Evangelho segundo João 5:39). Não podemos querer contextualizar a fé cristã a este preço. Ela pode ser dialogável, mas de maneira nenhuma negociável.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Cérebro e religião

Matheus Viana

O cérebro precisa de religião para seu pleno funcionamento. Esta foi a afirmação feita por um renomado cientista brasileiro, o neurologista Miguel Nicolellis, durante uma entrevista concedida à revista científica Planeta, edição 467, agosto de 2011:acho que a religião faz parte do sistema nervoso” (sic).

De acordo com Nicolellis, o cérebro humano precisa de respostas para questões como: de onde viemos? Como começou o universo? Mas algo que ele não disse durante a referida entrevista foi sobre a origem da atividade cerebral. Ele falou apenas do processo. Sim, é uma atividade eletro-química que resulta no ato do pensamento. De acordo com o enunciado de Clausius, pertencente à segunda lei da termodinâmica, processos estão sujeitos a leis que não surgem de forma espontânea, mas que precisam de ação externa.

Portanto, o cérebro humano precisa de respostas para tais questões pelo fato de que a Ciência, da qual Nicolellis é devoto, também precisa. Ou seja, precisa de um agente externo que viabilize todo o complexo processo cerebral. Se ele não busca tais repostas, seu exercício científico fica comprometido por não ter um fundamento teórico satisfatório que viabiliza a experiência empírica.

Quem é este agente externo é uma questão que não cabe à ciência responder. Mas é notório, até mesmo para um ateu, que a ciência, mesmo que cientistas não queiram, precisa de fundamentos epistemológicos de religião. Fato rechaçado pelos naturalistas, ou qualquer outra tendência reducionista. Contudo, negar a dependência da ciência à religião, o que é fato, é a demonstração de uma fé. Também é fato que o exercício do ateísmo é uma fé. Fé na não existência de Deus.

Mesmo assim, todo ateu honesto deve se render ao fato inquestionável que há alguém por trás da origem do universo, da origem humana e do ato do pensamento (atividade cerebral). E, por isso, ainda que os ateus balbuciem uma explicação, o cérebro precisa de um fundamento religioso (exterior à atividade humana). Isso é mais do que uma evidência científica de que não podemos – nem devemos – reduzir o universo, o ser humano, e tudo o que é natural ao naturalismo puro e simples. Por mais que você não queira, afirmar que há algo sobrenatural regendo o universo é questão de inteligência e bom senso.

Certa vez fui abordado por um aluno que diz não crer que o “Deus da Bíblia” criou os céus e a terra e tudo o que neles há. Ou seja, que este Deus tenha criado o universo e o ser humano. Este ponto de vista está claramente pautado em uma cosmovisão puramente materialista/naturalista, que rejeita o sobrenatural. Agindo assim, este indivíduo está sendo incoerente com o seu próprio processo de pensamento. Pois ele pensa, e por isso é capaz de não crer no “Deus da bíblia”, porque seu cérebro age segundo um processo que, por sua vez, está sujeito a uma lei que alguém externo à ciência estabeleceu. Veja que ainda não afirmei que este ser seja Deus.

Dizer que a vida humana surgiu espontaneamente de partículas é a tentativa desesperada de ateus que, na ânsia de negar a existência de Deus, que é maior do que promover uma ciência autêntica, negam leis da própria ciência; como por exemplo: a Lei da Biogênese, estabelecida por Louis Pasteur, que preconiza que apenas vida gera vida. Ou seja, apenas um ser vivo gera outro ser vivo. Isto é ciência. Mas quem, então, foi o primeiro ser vivo que gerou os outros seres vivos? Cientificamente, ele não é originário de partículas e moléculas atômicas, muito menos da colisão entre matéria e energia. Sejamos honestos.

Platão chamou este ser de Demiurgo, criado por uma “Alma Natural”. Sim, isto é filosofia especulativa. Aristóteles o denominou como Ato Puro ou Primeiro Motor. Falemos agora de ciência. Vários cientistas atribuíram este primeiro ser vivo a Deus. Sim, o Deus da Bíblia. Entre eles estão: Copérnico que, influenciado pelas conclusões de Aristarco de Samos, derrubou o modelo geocêntrico aristotélico (de que a Terra é o centro do universo e que o sol e os planetas giram ao redor dela), também usado por Ptolomeu, e estabeleceu, com forte oposição da Igreja Católica, o modelo heliocêntrico (o Sol como centro do universo e a Terra e os demais planetas girando ao redor dele); Kepler, que estudou o movimento dos corpos celestes, e Isaac Newton, o pai da teoria da gravidade e Leibniz.

Gênios que também usaram, para suas conclusões científicas, a mesma Bíblia que alguns dizem não passar de “historinhas para boi dormir”. No entanto, quem está agindo de forma inteligente? A história responde. Vejam os legados que estes “crentes” deixaram. Não crer que o Deus da Bíblia é, de fato, este agente externo que responde as questões que o cérebro humano busca responder é, de fato, uma atitude inteligente?

Mas há quem diga que este Deus é inconveniente por não aceitar nossas ações que são contrárias às suas atitudes. Aquele que não quer renunciar suas vontades que sejam contrárias às suas têm apenas uma alternativa: fabricar, com sua mente, um deus que se adeque exatamente às suas vontades e condutas. É isso que Feuerbach, filósofo alemão, diz em sua afirmação de que “o homem é seu próprio Deus”. Ou seja, que o homem tem a capacidade de criar um deus segundo aquilo que deseja. No entanto, esta capacidade foi dada exatamente pelo Deus que ele rejeita. É como dizer, em alto e bom som, que não precisa do ar pelo fato de não crer na existência dele, se esquecendo do fato de que o utiliza para falar.

Não crer no Deus da Bíblia, e criar um em sua mente que vá de encontro aos seus anseios e desejos, é direito do indivíduo. Mas o ser humano, que seja no mínimo honesto, deve saber fazer diferença entre o deus criado pela mente humana e o Deus que é a resposta para a origem do Universo e do ser humano. E, consequentemente, o Ser que estabeleceu as leis que viabilizam o processo que desencadeia a atividade cerebral que resulta no ato do pensamento... Ufa! Ah, e é pelo ato do pensamento que... criamos o deus que quisermos. Você só é capaz de produzir um deus em sua mente porque o Deus da Bíblia existe. Neste ponto, voltamos à afirmação do neurocientista. A questão é que ele chama Deus de “religião”.